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Falsa analogia

- 4 min leitura

A falsa analogia é uma falácia que ocorre quando a conclusão de um argumento depende de uma semelhança entre dois objetos que possuem diferenças relevantes. Por exemplo:

Deviam permitir aos estudantes consultar seus livros durante as provas. Afinal, os cirurgiões levam radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus papeis durante um julgamento, os construtores têm plantas e projetos que os orientam na construção de uma casa. Por que, então, não deixar que os alunos recorram a seus livros durante uma prova?1

A estrutura de um argumento por analogia pode ser definida assim:

O caso X é parecido de forma relevante com Y

Z se aplicada à Y

Então, Z também deve se aplicar à X

Considerando nosso argumento, poderíamos

Estudantes e profissionais são constantemente desafiados por situações difíceis e precisam usar seus conhecimentos

Profissionais pode consultar diferentes recursos (plantas de projetos, anotações, radiografias, livros etc) nessas situações

Logo, também deveriam permitir aos estudante consultar esses recursos

Para que um argumento por analogia não seja uma falácia, é essencial que as semelhanças apresentadas na premissa que faz a comparação sejam relevantes e não existam diferenças significativas entre as duas situações que invalidem a conclusão.

Não é isso que vemos nesse caso. O problema da analogia proposta é que as “situações difíceis” dos estudantes são diferentes das “situações difíceis” dos profissionais. No primeiro caso, elas são justamente testes para saber o quanto um estudante aprendeu, ou seja, consegue saber sem recorrer à fontes externas. Já no caso dos profissionais, tais situações não são testes nesse mesmo sentido.

Conseguiu entender o que é uma falsa analogia e como identificar esse problema em argumentos? Vamos analisar um argumento real utilizado em debates recentes no Brasil para praticar um pouco.

Análise de uma falsa analogia: carros e armas

No Brasil, há uma discussão sobre a flexibilização da posse de armas na qual muitas falácias são usadas, tanto pelos defensores quanto pelos críticos da política.

Em uma entrevista, Augusto Heleno usou uma comparação entre posse de carros e de armas para justificar uma mudança na legislação que facilite o acesso a armas.

O raciocínio que usou é o seguinte:

O raciocínio por analogia presente nesse argumento é muito usado no direito e parte da ideia de que devemos tratar de forma semelhante coisas semelhantes. Nesse caso, é apontada uma semelhança entre armas e carros quanto à sua capacidade de causar mortes. E, como conclusão, se defende que a liberdade de usar armas não seja restringida porque pode provocar mortes, já que a liberdade de usar carros não é restringida ainda que cause mortes.

E então, o que achou da analogia? Será que é um bom argumento por analogia ou uma falsa analogia?

No Brasil, qualquer pessoa que demonstre condições mínimas, pode conseguir habilitação para dirigir um carro. Ao contrário da posse de armas, que poucas pessoas podem ter acesso. A justificativa para essa restrição é o número de mortes provocadas por armas, que chega a em torno de 60 mil mortes por ano. No entanto, no trânsito morrem quase 40 mil pessoas por ano. Portanto, se devemos restringir o acesso a armas por causa do número de mortes que elas provocam, deveríamos também restringir o acesso a carros.2

Você consegue identificar as premissas e conclusão do argumento? Poderíamos organizá-lo assim:

Armas e carros matam um número de pessoas semelhante no Brasil

As pessoas não são proibidas de dirigir um carro por causa do risco de acidente, desde que estejam habilitadas

Portanto, as pessoas não deveriam ser proibidas de possuir uma arma, desde que devidamente habilitadas

Como vimos antes, a pergunta fundamental que devemos fazer para avaliar um argumento por analogia é: os dois casos comparados são semelhantes no sentido relevante? Não existem diferenças importantes que justifiquem um tratamento diferenciado?

Considerando os dados do argumento, de fato a premissa inicial parece verdadeira, já que são aproximadamente 60 mil mortes por armas e 40 mil em função de acidentes com veículos.

No entanto, se olhamos para além disso, há diferenças fundamentais entre as duas situações.

Uma política que restringisse o acesso ao direito de dirigir limitaria o direito de ir e vir e geraria um problema econômico gravíssimo. Tanto que nenhum país adotou até hoje qualquer política que limitasse o direito a dirigir quanto o direito de possuir uma arma. Possuir uma arma não é uma liberdade que possa ser comparada em importância ao direito de se deslocar usando um veículo.

Uma segunda diferença relevante é o fato de que o carro atende ao propósito para o qual existe: garantir o deslocamento de pessoas. Ninguém questiona seriamente que isso é verdade. E o que dizer das armas? Sua finalidade é garantir a segurança. Elas conseguem fazer isso? Boa parte da discussão sobre flexibilizar ou não a posse de armas gira justamente em torno desse ponto e a questão não tem uma resposta simples.

Assim, temos diferenças significativas entre carros e armas que invalidam a analogia proposta por Augusto Heleno, fazendo dela uma falsa analogia.

Referências

MARTELLO, A.; VIVAS, F. Futuro ministro de Bolsonaro compara posse de arma à posse de um carro. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/12/30/futuro-ministro-compara-posse-de-arma-a-posse-de-um-carro.ghtml>. Acesso em: 25 ago. 2024.

WALTON, D. Lógica Informal: manual de argumentação crítica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.